Perdeu três filhos, queimados pela fúria das chamas que consumiu a frágil casa de madeira. Raimunda vai ser acusada de negligência, há rumores de que as crianças eram maltratas por ela. Durante três dias seguidos, os diários requentam a história, com um novo e pequeno adendo aqui ou acolá. A mesma imagem da Raimunda, o mesmo olhar indefinido. Ela, dizem os jornais, não acreditava que o fogo era em sua casa, de longe espiara a fumaça, mas não podia crer que era no lugar onde se espremia juntos aos filhos. Raimunda alega que tinha saído de casa só por alguns momentos, eles não poderiam ter morrido, repetia a si mesma. Só acreditou ao ter que reconhecer os restos humanos, corpos queimados - dos filhos da Raimunda.
A história pode se passar em qualquer lugar. Nas centenas de barracos espalhados pelo mundo, em qualquer um deles onde existam barracos. Pode ser realidade, ou ficção - como enredo transversal no último filme de Scorsese. Não importa! Os barracos e as Raimundas sempre estiveram aí, na mesma. O mundo sempre as olhará como Medéias. Mas quem se ocupa de decifrar o olhar indefinido da Raimunda? Quem se detém ao pensar de que ordem é a dor, a dor da Raimunda? Não importa! Em uma semana, outra Raimunda vai ocupar os mesmos espaços nos diários, de qualquer dos mundos, mas sempre neste amargo planeta.
Foto: Escultura de Frans Krajcberg.