Uma lua de inverno

Uma lua de inverno

domingo, julho 31, 2011

À doce Maria Helena


Ela sentou-se à cadeira de uma mesa de dois lugares ao meu lado. Um sentar estranho, meio de banda, como se a qualquer momento fosse levantar. Reparei no casaco, leve, mas ainda sim um casaco em pleno verão. Inevitavelmente saiu a pergunta, a senhora sente frio, pois não? Ah! Tem um vento lá fora, respondeu prontamente. Prestei atenção nos olhos verdes, grandes, com uma luz incomum. Pensei lá comigo, essa senhora tem por volta de 65 anos e deve estar espera do marido, pois estava lindamente arranjada. Sim, cabelo impecavelmente no lugar, provavelmente graças a um pouco de laca, lábios discretamente pintados, olhos marcados, tudo cuidadosamente arrumado como se ali estivesse a espera de um encontro. Peço algo para comer, perdi a noção do tempo ao passar o dia inteiro a ler, quando dei por mim, 18h00, por isso queria algo mais substancial, mas naquela altura consegui no máximo uma tosta e uma meia de leite. Enquanto eu esperava pelo "almoço" ela me contou que esperava pela filha, uma delas, com quem iria jantar. Olho para o dedo anelar da mão direita e vejo um anel e duas alianças, realmente, não era pelo marido por quem ela que esperava.

Falou-me das cinco netas, "os homens não quiseram se apresentar nesta família", falou a sorrir. Daí reparei com mais detalhes, os olhos delam sorriam juntos com os lábios. Havia algo de especial naquela senhora, que me fez esquecer a fome e preferir saborear as histórias que contava a comer o pão. A certa altura me falou que era viúva e eu disse a ela que já havia notado no dedo dedos as duas alianças. Tomo um gole do café com leite e desvio o olhar porque sei que ela procurava com um dos dedos enxugar a lágrima antes que ela viesse aos olhos. Não era mesmo pelo marido que ela esperava, ou se calhar, era esse o seu desejo, poder estar a espera pelo companheiro de quase 50 anos de casamento. A gente sente falta não é? Ela confessa mais do que me pergunta.

Quanto mais conversávamos, mais vida parecia ter, e como! Contou-me que tinha 81 anos. Como assim? E a pele pouquissimamente marcada? Ela me disse que não sabia porque, mas era assim mesmo, achou que era gentiliza minha. Nada! Ela realmente me impressionava pela jovialidade, pelos olhos que falavam mais que os lábios e pela honestidade de quem parecia conversar com uma velha amiga. Sim velhas amigas e seus vazios. Contou-me que estava só em casa e resolveu sair, é muito triste estar só em casa com as lembranças, falou-me com a certeza de que eu sabia o que ela quis dizer.

Era magrinha e tinha um telemóvel cuidadosamente colocado sobre a mesa. É, pensei, espera ansiosa pela filha.

Terminei meu lanche e ela me contou que desde que o marido morrera, deixou tudo para as meninas, as duas filhas, e foi morar com uma delas. Afirmei com toda convicção, acho bom, assim a senhora não está só. Novamente o mesmo dedo tenta evitar a lágrima que teimava em sair. Desta vez olhei diretamente para aqueles olhos e disse que uma mulher como ela, qualquer filha estaria muito feliz por tê-la como mãe e sempre por perto. O telemóvel tocou. Falou rapidamente. Era a filha que já estava à espera logo próximo dali. Ela se levanta e abre os braços. Eu a abraço como se o tempo não existisse. Senti o corpo frágil, magro. Ela se depediu e me desejou saúde e que Deus me cuidasse. Eu me despedi e disse o quão afortunada era a família dela por tê-la. Ela me sussura ao meu ouvido, pena que por vezes não nos reconhecem...

Nos beijamos afetuosamenteo no rosto uma da outra. Maria Helena, esse é o nome daquela senhora. Pedi um favor a ela, que quando chegasse ao carro contasse à filha sobre a sorte que ela tem, ao ter Maria Helena.

Provavelmente nunca mais eu encontre com essa senhora. Mas duas coisas me tocaram profundamente. A solidão de quem está mesmo em casa, com a família e sente irreconhecido, ou seria, apartado? A solidão que faz com que as pessoas pareçam peças decorativas, a solidão da velhice. A solidão de quem tem tanto a dizer e ninguém a ouvir.

Senti tanto amor por Maria Helena e recebi tanto amor da parte dela...foi pouco tempo, mas tempo é um elemento estranho quando se fala em afetos.

Maria Helena, que teu tempo de afetos seja muito maior do que o número de vezes que tentas conter tuas lágrimas.

À doce Maria Helena


Ela sentou-se à cadeira de uma mesa de dois lugares ao meu lado. Um sentar estranho, meio de banda, como se a qualquer momento fosse levantar. Reparei no casaco, leve, mas ainda sim um casaco em pleno verão. Inevitavelmente saiu a pergunta, a senhora sente frio, pois não? Ah! Tem um vento lá fora, respondeu prontamente. Prestei atenção nos olhos verdes, grandes, com uma luz incomum. Pensei lá comigo, essa senhora tem por volta de 65 anos e deve estar espera do marido, pois estava lindamente arranjada. Sim, cabelo impecavelmente no lugar, provavelmente graças a um pouco de laca, lábios discretamente pintados, olhos marcados, tudo cuidadosamente arrumado como se ali estivesse a espera de um encontro. Peço algo para comer, perdi a noção do tempo ao passar o dia inteiro a ler, quando dei por mim, 18h00, por isso queria algo mais substancial, mas naquela altura consegui no máximo uma tosta e uma meia de leite. Enquanto eu esperava pelo "almoço" ela me contou que esperava pela filha, uma delas, com quem iria jantar. Olho para o dedo anelar da mão direita e vejo um anel e duas alianças, realmente, não era pelo marido por quem ela que esperava.

Falou-me das cinco netas, "os homens não quiseram se apresentar nesta família", falou a sorrir. Daí reparei com mais detalhes, os olhos delam sorriam juntos com os lábios. Havia algo de especial naquela senhora, que me fez esquecer a fome e preferir saborear as histórias que contava a comer o pão. A certa altura me falou que era viúva e eu disse a ela que já havia notado no dedo dedos as duas alianças. Tomo um gole do café com leite e desvio o olhar porque sei que ela procurava com um dos dedos enxugar a lágrima antes que ela viesse aos olhos. Não era mesmo pelo marido que ela esperava, ou se calhar, era esse o seu desejo, poder estar a espera pelo companheiro de quase 50 anos de casamento. A gente sente falta não é? Ela confessa mais do que me pergunta.

Quanto mais conversávamos, mais vida parecia ter, e como! Contou-me que tinha 81 anos. Como assim? E a pele pouquissimamente marcada? Ela me disse que não sabia porque, mas era assim mesmo, achou que era gentiliza minha. Nada! Ela realmente me impressionava pela jovialidade, pelos olhos que falavam mais que os lábios e pela honestidade de quem parecia conversar com uma velha amiga. Sim velhas amigas e seus vazios. Contou-me que estava só em casa e resolveu sair, é muito triste estar só em casa com as lembranças, falou-me com a certeza de que eu sabia o que ela quis dizer.

Era magrinha e tinha um telemóvel cuidadosamente colocado sobre a mesa. É, pensei, espera ansiosa pela filha.

Terminei meu lanche e ela me contou que desde que o marido morrera, deixou tudo para as meninas, as duas filhas, e foi morar com uma delas. Afirmei com toda convicção, acho bom, assim a senhora não está só. Novamente o mesmo dedo tenta evitar a lágrima que teimava em sair. Desta vez olhei diretamente para aqueles olhos e disse que uma mulher como ela, qualquer filha estaria muito feliz por tê-la como mãe e sempre por perto. O telemóvel tocou. Falou rapidamente. Era a filha que já estava à espera logo próximo dali. Ela se levanta e abre os braços. Eu a abraço como se o tempo não existisse. Senti o corpo frágil, magro. Ela se depediu e me desejou saúde e que Deus cuidade de mim. Eu me despedi e disse o quão afortunada era a família dela por tê-la. Ela me sussura ao meu ouvido, pena que por vezes não nos reconhecem...

Nos beijamos afetuosamenteo no rosto uma da outra. Maria Helena, esse é o nome daquela senhora. Pedi um favor a ela, que quando chegasse ao carro contasse à filha sobre a sorte que ela tem, ao ter Maria Helena.

Provavelmente nunca mais eu encontre com essa senhora. Mas duas coisas me tocaram profundamente. A solidão de quem está mesmo em casa, com a família e sente irreconhecido, ou seria, apartado? A solidão que faz com que as pessoas pareçam peças decorativas, a solidão da velhice. A solidão de quem tem tanto a dizer e ninguém a ouvir.

Senti tanto amor por Maria Helena e recebi tanto amor da parte dela...foi pouco tempo, mas tempo é um elemento estranho quando se fala em afetos.

Maria Helena, que teu tempo de afetos seja muito maior do que o número de vezes que tentas conter tuas lágrimas.